domingo, 24 de outubro de 2010

A visão budista sobre a morte

Nascemos porque temos uma missão.

Todos têm uma missão. É por essa razão que nascemos. É por isso que, independentemente do que aconteça, devemos prosseguir na vida superando tudo. A palavra japonesa que designa missão significa “uso da própria vida”. Para qual objetivo usamos nossa vida? Qual o objetivo de termos nascido neste mundo, enviados pelo universo?

Por que fomos enviados para cá?

O budismo considera o universo como uma gigantesca entidade. Se o compararmos ao vasto oceano, cada vida é como uma onda nesse oceano. A vida é quando as ondas se levantam na superfície do oceano, e quando ela volta é a morte. A vida e a morte são unas com o universo. No nascimento de uma única vida, há a aprovação e cooperação do universo inteiro.

Todas as vidas são igualmente preciosas. Não podemos aplicar uma hierarquia ao valor da vida, tornando uma mais valiosa que outra. Cada vida é única. A vida de cada pessoa é tão valiosa quanto o universo, é una com a vida do universo e tem a mesma importância. Nitiren Daishonin declara: “A vida é o maior de todos os tesouros.” (The Writings of Nichiren Daishonin, pág. 1125.) E diz ainda: “O Buda diz que a vida é algo que não pode ser comprado nem pelo preço de todo um sistema maior de mundos.” (Ibidem, pág. 983.) E “Um dia de vida é mais valioso que todos os tesouros do sistema maior de mundos.” (Ibidem, pág. 955.)

É por essa razão que não devemos tirar nossa própria vida. É por isso que não devemos recorrer à violência, que não devemos ferir nem agredir os outros. Ninguém tem o direito de prejudicar o precioso tesouro que é a vida.

Yumitani: Um estudante escreveu que quando foi vítima de agressões questionava por que havia nascido neste mundo doloroso, e por quê, acima de tudo, havia nascido.

Pres. Ikeda: “Por que nascemos?” — a juventude é a época de buscar a resposta dessa questão. A juventude é nosso “segundo nascimento”. O primeiro nascimento é o físico, mas é durante a juventude que realmente nascemos como pessoa. Por isso é um período tão difícil na vida e temos de sofrer tanto. É uma luta, tal como a do passarinho tentando romper a casca do ovo.

A questão crucial é jamais desistir. Enquanto lutam para encontrar seu caminho, por favor, orem, reflitam, estudem, conversem com seus amigos e dêem o máximo para o que é mais importante agora. Se desafiarem a si próprios sem se darem por vencidos, sua missão — aquela que somente vocês podem cumprir — será revelada sem falha.

Ueda: Sim. Se o passarinho desistir no meio do caminho, nunca conseguirá sair do ovo.

Os verdadeiros vitoriosos são os que perseveram até o fim

Pres. Ikeda: Espero que não se deixem derrotar por seus problemas e batalhas. As pessoas derrotadas pelos problemas não passam por um renovado crescimento ou “renascimento” como seres humanos e acabam vivendo apenas por instinto, como animais. E isso é uma morte espiritual.

Todos vocês conhecem Mikhail Gorbachev, ex-presidente da União Soviética e também meu amigo. Gorbachev é o responsável pelo fim da Guerra Fria. Ele é um verdadeiro herói que teve o bom senso de dizer: “Essa tolice não pode continuar!” Querendo encontrar uma forma de levar a felicidade a toda a humanidade, ele deu um passo decisivo para a mudança.

Como o líder supremo da União Soviética, ele era praticamente o todo-poderoso de sua terra natal. Ele poderia muito bem ter permanecido confortavelmente na fortaleza do poder. Mas escolheu um caminho diferente — um caminho perigoso e arriscado. Ele sofreu atentados, foi traído e perseguido. Mas, em meio a tudo isso, recusou-se a abandonar seu sonho de uma sociedade em que as pessoas estivessem em primeiro lugar.

Quando Gorbachev e sua falecida esposa Raisa visitaram o Colégio Soka de Kansai [em 20 de novembro de 1997], ela proferiu um discurso aos alunos. “Vocês passarão por todo tipo de sofrimento na vida”, disse Raisa. “Nem todos eles serão curados. Vocês tampouco conseguirão realizar todos os seus sonhos. Mas há algo que vocês podem alcançar. Há um sonho que podem tornar realidade.

“Portanto, a pessoa que triunfa no final é aquela que se levanta após cada queda e avança. A capacidade de continuar a lutar é uma questão de determinação. A morte não vem para a pessoa que está cansada, mas sim para aquela que parou de avançar.

“Vocês podem pensar que hoje ainda são jovens mas, antes que percebam, já terão alcançado a maturidade. Assim é a vida. Logo terão de assumir a responsabilidade por sua família, pela nação e por todo o planeta.

“Que seus sonhos se tornem realidade! Espero que ocorram coisas maravilhosas em sua vida! Que sejam todos felizes!”

Ueda: Que mensagem encorajadora!

Não desperdicem nem um único momento da vida

Pres. Ikeda: São indescritíveis os sofrimentos e dificuldades pelos quais o casal Gorbachev passou. “Mas nós sobrevivemos”, disse o casal. “Nós vivemos e lutamos.” Todos vocês estão vivendo agora. Como isso é incrível! Espero que não desperdicem esse maravilhoso tesouro.

Por falar na Rússia, contei anteriormente como o grande escritor russo Fiodor Dostoievski (1821–1881) escapou por pouco de ser executado por um pelotão de fuzilamento. Enquanto aguardava sua vez de ser chamado pelos executores, começou a pensar em como passaria seus últimos momentos. Ele sabia que dentro de cinco minutos seria preso a um poste e executado, e assim desapareceria deste mundo. Não queria desperdiçar esses cinco preciosos minutos, pois eram seu último tesouro. Precisava utilizá-los cuidadosamente. Ele dividiu o tempo restante em três partes. Usaria os primeiros dois minutos para despedir-se de seus amigos e entes queridos. Os dois minutos seguintes seriam dedicados a uma última reflexão sobre si próprio. E o último minuto usaria para dar uma última olhada ao seu redor.1

Ao mesmo tempo, decidiu que, se por alguma razão fosse poupado, transformaria cada minuto em uma era e jamais desperdiçaria um segundo sequer.

Yumitani: Que experiência intensa deve ter sido!

Aproveitem a vida ao máximo

Pres. Ikeda: Pensando nisso, mesmo sabendo que não vamos morrer nos próximos cinco minutos, todos nós, sem exceção, morreremos um dia. Podemos contar cem por cento com isso. Não existe nada mais certo.

Victor Hugo disse certa vez: “Todos nós temos uma sentença de morte, mas com um tipo de adiamento indefinido.”2 O ideal é vivermos cada minuto da vida de forma útil, como se fosse uma era. As pessoas que não têm um objetivo na vida chegam ao final dela com um sentimento de vazio, mas aquelas que vivem com plenitude e empenham-se corretamente até o fim terão uma morte tranqüila.

Leonardo da Vinci também disse: “Assim como um dia bem aproveitado faz com que tenhamos um sono feliz, uma vida bem vivida leva a uma morte feliz.”³ As pessoas conscientes do fato de que a morte pode chegar a qualquer momento vivem cada dia ao máximo. Em uma corrida, também é a linha de chegada que nos faz correr com toda nossa força.

Ueda: Enfrentar a realidade da morte dá sentido à vida.

Yumitani: Acho que se não morrêssemos nossa vida ficaria vazia e sem objetivo, assim como não estudamos a menos que saibamos que haverá um exame!

Pres. Ikeda: É verdade. Uma vida sem morte poderia ser uma ótima idéia, mas também significaria que adiaríamos as coisas, pensando que, mesmo que não nos preocupássemos no momento, poderíamos dar conta de tudo dentro de dez ou vinte anos. De fato, provavelmente nunca faríamos nada. Todos nós nos tornaríamos totalmente decadentes e preguiçosos.

Yumitani: Imagino que seja isso o que acontece com as pessoas que passam a vida à toa, sem nunca considerar com seriedade a realidade da morte.

Pres. Ikeda: Diante da morte, aspectos como riqueza, posição social, honras e qualificações acadêmicas não têm nenhum significado. Nesse momento, tudo se decide de acordo com sua própria vida, destituída de todos os ornamentos externos. Vocês se sentem realizados? Ou sua vida é vazia, fraca e sem energia? É por essa razão que necessitamos da fé para forjar nossa vida e desenvolvê-la.

Ueda: Nunca sabemos quando a morte virá. Portanto, não podemos nos permitir desperdiçar um momento sequer.

Pres. Ikeda: Não, não podemos. Eu adotei um lema diário: “O dia de hoje equivale a uma semana!” Ainda não vivi cem anos, mas tenho me empenhado para criar várias centenas de anos de valor.

Sem arrependimentos

Yumitani: Se vivermos cada dia com seriedade e plenitude, não teremos nenhum arrependimento.

Pres. Ikeda: Trata-se de ter senso de missão. Não existe nada mais forte. José Rizal, o herói da independência filipina, deu a vida por essa missão. Ele foi executado por um pelotão de fuzilamento, mas em sua última carta escreveu: “Não me arrependo do que fiz, e se tivesse de começar novamente, faria o mesmo, porque esse era meu dever.”4

Ueda: Seria maravilhoso se todos nós pudéssemos chegar ao fim da vida sentindo que, se pudéssemos viver novamente, seguiríamos pelo mesmo caminho.

Pres. Ikeda: Para viver dessa forma, é necessário uma firme concepção da vida e da morte. O que acontece quando morremos? O que acontece com nossa vida? Na próxima vez, vamos analisar as respostas que o budismo dá para essas questões.

Yumitani: Num certo momento da vida, todos se perguntam por que nasceram, por que morrerão e o que acontecerá após a morte.

Um de nossos membros da Divisão dos Estudantes Colegiais disse que a morte de seu tio realmente fez com que ele pensasse nisso. Ao ver o corpo de seu tio sem vida, ele achou que se parecia com um boneco de cera e não pôde deixar de pensar no significado da morte.

Ueda: Outro estudante escreveu o seguinte: “Quando tenho muitos problemas e passo por uma situação muito difícil, fico me perguntando por que estou vivo — qual o sentido disso tudo. Sinto-me tão só algumas vezes e isso me deixa triste e sem esperanças na vida.”

E um outro disse: “Quando meu avô faleceu, pensei na vida e na morte. Fiquei imaginando como é que as pessoas morrem assim tão facilmente. Também me arrependi por não ter feito mais por meu avô quando ele estava vivo.A questão da vida e da morte é a raiz. Todos os demais problemas são as folhas e ramos

Pres. Ikeda: É algo extremamente valioso ponderar dessa forma sobre a questão da vida e da morte. Isso é uma prova de nossa humanidade.

Em geral, quando as pessoas vão envelhecendo e acabam presas pela rotina da vida diária, tendem a parar gradativamente de considerar sobre as questões fundamentais. Mas a questão da vida e da morte é muito importante. Devemos considerar profundamente sobre ela durante toda nossa vida.

Se comparássemos nossa existência a uma árvore, a questão da vida e da morte seria como suas raízes. Embora tenhamos toda uma variedade de problemas e questões para lidar na vida, eles nada mais são que os ramos e as folhas, todos ligados à raiz da questão fundamental da vida e da morte.

Yumitani: Algumas pessoas pensam assim: “Ainda sou jovem. Não tenho necessidade de pensar nisso. Posso esperar até que fique mais velho e esteja à beira da morte.”

Pres. Ikeda: Bem, talvez possamos analisar isso da seguinte forma. Vamos imaginar a caloura de um curso. Ela faz planos e lança objetivos para seu primeiro ano no colegial. Mas não conseguirá nada de significativo enquanto não definir quais serão seus planos para todo o período do colegial.

Yumitani: Isso faz sentido.

Pres. Ikeda: Assim, ela tenta fazer planos para todo o período do colegial. Mas então percebe que se não pensar no que vai fazer depois de se formar, também não poderá planejar os anos do colegial de forma sábia.

Ueda: Sim, mas a menos que tenha no mínimo uma vaga idéia do que quer fazer quando deixar a escola — seja encontrar um emprego ou ir para a faculdade — realmente não se consegue passar a época do colegial da melhor forma possível.

Pres. Ikeda: Da mesma maneira, não se pode contemplar de forma significativa como passar a vida se não souberem o que acontecerá com vocês após a “formatura” — em outras palavras, após a morte.

Yumitani: Sim, compreendo o que o senhor quer dizer.

Jovens filósofos, ponderem sobre a questão da vida e da morte!

Pres. Ikeda: Por essa razão é tão importante que vocês sejam jovens filósofos e que ponderem profundamente sobre essa questão da vida e da morte enquanto estão na juventude.

Se as pessoas se deixarem levar pela crença de que não existe vida após a morte, sucumbirão facilmente à visão de que podem fazer o que quiserem e então, quando encontrarem alguma dificuldade, simplesmente poderão dar um fim a sua vida e acabar com tudo.

Yumitani: Sim, hipoteticamente isso é possível.

Ueda: Concordo. Voltando ao exemplo do colegial, tenho certeza de que se nada houvesse após a formatura, muitos estudantes achariam desnecessário estudar tanto.

Yumitani: Bem, as pessoas que crêem que não existe nada após a morte poderiam ainda empenhar algum esforço para viverem de forma agradável, mas provavelmente não se esforçariam tanto para tentar se aperfeiçoar ou para servir aos outros.

Pres. Ikeda: É claro que ninguém que acredite que a morte é o fim vive de forma irresponsável e em absoluto abandono.

Não somente existem restrições sociais contra isso como também, bem lá no fundo do coração, os seres humanos sabem intuitivamente que a vida é eterna e que há uma maneira correta de vivê-la.

Yumitani: Há também algumas pessoas que dizem que exatamente pelo fato de esta ser nossa única existência — como não há vida após a morte — temos de fazer o melhor no presente. Mas nem todos pensam dessa forma.

Pres. Ikeda: Está se tornando predominante no mundo de hoje a visão materialista de que não há vida após a morte. Creio que seja essa a razão de a ética e a moralidade terem se degenerado em mera ambição. No grande romance Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski, a personagem Ivan faz o seguinte comentário: “Supondo que não houvesse nenhum Deus, o que seria então considerado como crime? Todas as coisas seriam lícitas?” Se substituíssemos a palavra “Deus” por “vida após a morte”, poderíamos aplicar a mesma questão. Teríamos um mundo onde poderíamos fazer o que quiséssemos até que alguém nos impedisse.

Yumitani: De fato, parece que é essa a maneira como o mundo está sendo conduzido.

Pessoas que buscam pelo significado da vida

Ueda: Algumas pessoas fazem a seguinte questão: “A morte é realmente o fim? Caso assim seja, isso significa então que tudo na vida é vazio e sem significado?”

Pres. Ikeda: Somos seres que buscam um significado na vida. Enquanto tivermos um sentido para viver, poderemos suportar qualquer sofrimento. Mas, sem um propósito na vida, podemos ter tudo que quisermos e ainda assim sentirmo-nos completamente vazios, como se nosso espírito perecesse.

Assim como têm de adotar uma perspectiva mais ampla de todo seu período no colegial e dar um significado ao primeiro ano letivo, têm de adotar também uma visão mais ampla para enxergar o propósito de sua vida, ou seja, visualizar esta existência e o que acontece após a morte. Sem isso, não conseguirão valorizar a própria vida. Por essa razão é tão importante a compreensão da vida e da morte.

A vida do universo é um grande oceano e as ondas representam nossa vida

Yumitani: O budismo ensina que a vida é eterna. Da última vez, o senhor descreveu o universo como uma grande entidade viva, como um vasto oceano, e cada vida como uma onda desse oceano.

Ueda: A vida pode ser associada ao momento em que as ondas se levantam na superfície do oceano. E quando fundem-se com o oceano, temos a morte.

Yumitani: Ainda não entendi muito bem o que significa exatamente “fundir-se”.

Pres. Ikeda: O Sr. Toda disse certa vez que se jogarem um pouco de tinta em um lago, ela será dissolvida e desaparecerá. Assim é a morte. Posteriormente, se utilizarem algum aparelho para recolherem os componentes da tinta dissolvida e juntá-los novamente, isso significaria a vida, disse ele.

Yumitani: Apesar de a vida da pessoa fundir-se com a vida do universo, sua identidade não desaparece.

Pres. Ikeda: Essa vida não cessa sua existência. Quando encontrar as condições ideais, vai se manifestar novamente. Mas se perguntarem se essa vida existe como algo tangível, a resposta é absolutamente não. Não podemos localizá-la em algum lugar do universo, pois ela se torna una com todo o universo. Isso não significa existência nem não-existência. O budismo refere-se a isso como o estado de não-substancialidade (kuu).

Vamos usar uma metáfora. Atualmente, um número infinito de ondas de rádio cruzam o globo. Exatamente aqui há agora ondas de rádio de todas as freqüências — de transmissões de rádio e de televisão, entre outras — espalhadas ao nosso redor. Algumas delas são do Japão e outras, dos demais países. Apesar de dizermos que essas ondas existem, não podemos vê-las nem ouvi-las. Não podemos cheirá-las nem tocá-las. Mas se tivermos um aparelho de rádio ou TV ou algum outro receptor apropriado, e o sintonizarmos na freqüência correta, conseguiremos ouvir os sons e ver as imagens que essas ondas produzem.

Yumitani: Um televisor torna-se assim a condição necessária para fazer com que uma onda invisível passe a ser visível na forma de imagens de vídeo.

Pres. Ikeda: Talvez poderíamos chamar isso de transição da morte para a vida pela qual a onda passa. É claro que isso é apenas uma metáfora. Mas, de uma forma muito similar, no momento da morte a vida funde-se com o universo. Essas vidas não se chocam umas com as outras e também não ficam sobre as costas dos outros nem se dão as mãos! Cada vida funde-se com o universo, embora mantenha sua individualidade.

Os aspectos físico e espiritual da vida são um só

Ueda: Será que essa individualidade difere do conceito de uma alma ou um espírito separado do corpo físico?

Pres. Ikeda: Difere completamente. O budismo ensina que algo assim como um espírito substancial e separado do corpo não existe. Em todas as formas de vida, a mente e o corpo — os aspectos espiritual e físico — são um só. Tanto na vida como na morte, as energias física e espiritual de uma entidade não podem ser separadas. Elas são unas e indivisíveis.

Acreditar que o espírito pode se separar do corpo e ficar flutuando por aí é pura superstição. A vida — na qual os aspectos físico e espiritual são sempre unos — funde-se com a grandiosa vida do universo, embora preserve sua individualidade.

Yumitani: Ao morrermos, o cérebro é destruído. Então, como ainda podemos ter alguma energia espiritual? Creio que a razão pela qual muitas pessoas acreditem atualmente que não há nada após a morte deve-se ao fato de sua crença em que o espírito reside no cérebro e assim não pode continuar a existir após as células cerebrais terem morrido.

Pres. Ikeda: Esse é um ponto importante. Já detalhei essa questão em outras ocasiões, e espero que vocês estudem esses diálogos e escritos, mas a questão principal é que o cérebro é o local ou o veículo físico para as atividades mentais ou espirituais; não é a própria mente ou o próprio espírito. É essa a maneira como o encaramos.

Por exemplo, o grande filósofo francês Henri-Louis Bergson (1859–1941) comparou a relação entre nosso cérebro e nossa consciência a um cabideiro e às roupas penduradas nele. Se o cabideiro desaparece — ou seja, se o cérebro morre — as roupas caem ao chão. Em outras palavras, a atividade mental torna-se impossível. Mas o cabideiro não representa as roupas.

Ueda: Por falar em Bergson, sei que na primeira vez em que o senhor foi convidado para uma reunião de palestra da Soka Gakkai, quando estava com dezenove anos, e lhe disseram que seria um encontro em que as pessoas falariam sobre a “filosofia da vida”, o senhor perguntou se “estavam se referindo a Bergson”.

Pres. Ikeda: Sim, é verdade. Bergson viveu há aproximadamente cem anos, e sem dúvida essa é a razão pela qual ele usou a metáfora das roupas e do cabideiro. Hoje em dia, é melhor usar o exemplo de imagens televisionadas e do aparelho de som e de TV ou do monitor necessário para transmiti-los.

Nesse contexto, a memória e outras atividades mentais são como as imagens e o som. Eles não aparecem sem um televisor, que pode ser comparado ao cérebro. E o simples fato de seu maior ídolo aparecer na televisão não significa que vocês encontrarão uma foto dele lá dentro se desmontarem seu aparelho de TV. Da mesma forma, quando o cérebro morre, a energia mental perde seu veículo de manifestação, no entanto, isso não significa que essa energia tenha deixado de existir. Tampouco a energia física deixa de existir quando o corpo morre. Ela perde o veículo pelo qual realiza suas atividades e torna-se latente.

Yumitani: E na próxima vez em que renascermos, essa energia latente será ativada novamente, não é mesmo?

Pres. Ikeda: Sim, a energia latente se manifesta e entra em atividade mais uma vez quando se inicia uma nova fase da vida. No entanto, rigorosamente falando, nossa vida não “renasce”. Ela existe continuamente. A identidade de nossa vida não muda.

Nossa vida — cujo corpo e espírito são um só — continua imutável. A essência da vida não é algo cujo espírito deixa o corpo e flutua pelo céu ou algo parecido.

Os fantasmas

Ueda: Há pessoas que dizem terem visto um fantasma, ou que ouviram a voz de sua avó falecida. Essas experiências são apenas sonhos ou ilusões?

Pres. Ikeda: Não, essas experiências podem ser reais. Mas a pessoa não está vendo um fantasma. Pode ser que as ondas de uma pessoa que está no estado de morte se sobreponham, por alguma razão, às ondas da que está viva, e a pessoa viva percebe algo como uma visão ou a voz de uma pessoa já falecida. A vida é cheia de mistérios. Poderíamos comparar isso a uma linha cruzada no telefone.

Yumitani: Sim, isso às vezes acontece comigo quando uso o telefone celular.

Pres. Ikeda: O Sr. Toda costumava dizer que ver fantasmas ou ouvir vozes acontece quando a energia vital da pessoa está fraca. Se estão fracos, são sobrecarregados por outros sinais e acabam atuando como se fossem um receptor de rádio ou TV para esses sinais. É por essa razão que são os únicos a ouvir ou ver essas coisas.

Se sua energia vital estiver forte, isso não acontecerá. De fato, se recitarem Daimoku conseguirão enviar as ondas do estado de Buda para essas pessoas e ajudá-las a encontrar a paz.

Yumitani: Então há vidas que não se fundem tranqüilamente com a vida do universo?

Pres. Ikeda: Sim. Algumas se fundem com a vida universal sofrendo as dores mais medonhas. Outras ficam aterrorizadas, como se estivessem sendo perseguidas por um monstro horrível. E outras não têm repouso, como se estivessem tendo pesadelos.

O som de nosso Daimoku pode salvar os que estão no estado de morte

Ueda: Nós podemos ajudar essas pessoas com nosso Daimoku?

Pres. Ikeda: Sim, podemos. O som de nosso Daimoku alcança a vida das pessoas que entraram no estado de morte. E é claro que também atinge os que ainda estão vivos. O poder do Nam-myoho-rengue-kyo ilumina tudo no universo, até mesmo os rincões mais distantes do estado de Inferno, lançando-lhe a luz da esperança, da paz e da tranqüilidade.

A Lei Mística é formada pelos caracteres chineses myo e ho. Myo (mística) simboliza a morte e ho (lei), a vida. Juntas, formando a expressão Lei Mística, representam a unicidade da vida e da morte. Tanto a vida como a morte são fases da existência. Apesar de a vida e a morte parecerem totalmente separadas e independentes uma da outra, a entidade da vida existente nessa dinâmica é única e imutável, e tem uma continuidade eterna alternando períodos de vida e de morte.

O Nam-myoho-rengue-kyo é o ritmo fundamental dessa vida eterna. É por isso que o Daimoku tem o poder de ajudar até mesmo aqueles que se encontram no estado de morte.

Yumitani: O que determina se uma vida está sofrendo ou se está no estado de tranqüilidade após a morte? O Inferno e o Pico da Águia existem realmente?

Pres. Ikeda: Sim, eles existem. Mas não se encontram em nenhum lugar. O estado de Fome não está em algum lugar além de Saturno, tampouco o Pico da Águia se encontra do outro lado do Sol. Gostaria que vocês estudassem mais a respeito dos Dez Mundos (Inferno, Fome, Animalidade, Ira, Tranqüilidade, Alegria, Erudição, Absorção, Bodhisattva e estado de Buda), mas o importante é lembrar-se de que assim como os Dez Mundos existem em cada pessoa, também estão presentes no universo.

A vida daquela pessoa cuja tendência básica enquanto viva é permanecer no estado de Inferno vai se fundir, após o falecimento, com o estado de Inferno do universo. O estado de Inferno existe em nossa própria vida, mas não podemos dizer que se encontra em algum lugar particular dentro de nós. Simplesmente porque sentem uma dor de dente não podem dizer que o estado de Inferno está em seu dente. Todo seu ser sente dor, e todo seu ser está no Inferno. Da mesma forma, quando morre uma pessoa cuja tendência básica da vida é o estado de Inferno, todo o universo torna-se o Inferno para esse indivíduo.

Transformando nossa tendência básica da vida

Ueda: O que o senhor quer dizer com “tendência básica da vida”?

Pres. Ikeda: É a natureza essencial ou a tendência de vida para a qual vocês sempre retornam.

Estamos todos os dias sujeitos a muitas causas e condições externas que estimulam em nós várias emoções e efeitos. Nós ficamos zangados, rimos, pensamos, e nossa vida está sempre num estado de constante mudança. No entanto, cada pessoa tem sua própria tendência básica. Por exemplo, há pessoas que são fundamentalmente iradas por natureza e são sempre rápidas em perder a compostura, e há outras cuja força vital é fraca e ficam facilmente deprimidas, e pessoas que vivem no estado de Bodhisattva e sempre pensam nos outros em primeiro lugar. Nossa tendência básica de vida é o que determina em qual dos Dez Mundos nossa vida ficará após a morte.

Yumitani: Isso é um tanto assustador!

Pres. Ikeda: Após o falecimento, as condições e causas externas não são as mesmas de quando a pessoa estava viva, e assim sua tendência de vida torna-se todo seu ser. Em vida, mesmo uma pessoa cujo estado básico é o de Inferno, que está sempre sofrendo e cuja própria vida é dolorosa, pode experimentar momentos de alegria e prazer. Mas, após a morte, essa pessoa permanecerá somente no estado de Inferno.

Ueda: Isso é com certeza uma grande motivação para realizarmos nossa revolução humana enquanto ainda estamos vivos!

O dinheiro e a fama não nos ajudam no momento da morte

Pres. Ikeda: A tendência básica da vida de uma pessoa torna-se claramente visível no momento da morte. Uma enfermeira veterana que cuidou de muitos doentes terminais e esteve com muitos deles em seus momentos finais, disse: “Parece que em seus últimos momentos toda sua vida passa em flashes diante de seus olhos, como se fosse um filme. Não o fato de terem se tornado presidentes de uma companhia ou de terem sido bem-sucedidos nos negócios ou coisas desse tipo, mas sim o tipo de vida que levaram. As pessoas a quem amaram e a quem trataram com carinho, e de que forma. Como foram insensíveis ou cruéis. O sentimento de satisfação por terem vivido de acordo com suas crenças ou uma dor profunda por terem-nos traído. Tudo o que foram como seres humanos passa diante de seus olhos. Assim é a morte.”

Yumitani: Ouvir isso realmente faz a pessoa parar para pensar.

Pres. Ikeda: Nesse momento, nem a fama nem o dinheiro, o conhecimento e tampouco a posição social poderão ajudá-los. Seus amigos e familiares não poderão ajudá-los. Vocês terão de enfrentar sozinhos sua própria verdade. A morte é realmente rigorosa e inflexível.

E o eu existente nesse momento do falecimento é o que permanecerá durante todo o estado de morte e continuará na próxima existência. É por essa razão que o budismo ensina que devemos atingir o estado de Buda enquanto estamos vivos. Devemos fazer o máximo para cultivar e enriquecer nossa vida como seres humanos. Esse é o objetivo de nossa prática budista. Nada é mais importante na vida que realizar nossa revolução humana. E quanto mais jovens forem, mais fácil será conquistá-la.

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